25 de novembro de 2006

Palavras de absinto em meu jardim


Descrição da imagem: vários cravos, em tons de vermelho e amarelo. Ao centro, um cravo cujas pétalas são em degradê branco e vermelho.


Palavras de absinto em meu jardim 

Adormeci no jardim
e acordei com o perfume das flores
impregnando o nariz.
Logo descobri que estava fixado
na base de minha nuca,
no jardim que criteriosamente imprimi em relevo
para nunca mais esquecer de onde vim,
para onde vou e o que sou.
O cheiro, adquiri no repouso.
É que fiz um travesseiro de gérberas
e das tantas outras flores vermelhas,
que colhi no escuro da noite,
para depositar meu cansaço,
depois que enfrentasse os fantasmas perfumados.
O perfume era de absinto,
Misturado com suor e medo de fracasso.
Adrenalina!!! Os cães loucos vão me farejar!!!
Sempre soube do perigo de adentrar no jardim
Depois que o sol se pusesse. Mas fui.
Estou enfrentando os medos!
E consegui me acalmar o suficiente
para adormecer, ainda que de cansaço,
ao menos por alguns minutos,
quando tudo estava em silencioso e calmo,
pouco antes do nascer do sol, lá no horizonte.
Sua luz anunciava
Que o perigo tinha sido vencido,
Ao menos por mais um dia.
Estou ousando mais:
ando ensaiando passos mais firmes
entre os canteiro irregulares de perigo e beleza.
Há palavras pontiagudas
se espalhando por todos os lugares,
escondidas entre as pétalas e as folhas,
em forma de pequenas lanças,
imitando espinhos agressivos,
ocres, insistentes, traiçoeiros.
Todo o cuidado é pouco:
se me picarem, sob o torpor do quase-veneno,
escreverei sem fim,
revelando segredos, medos e desejos.
Desse jeito confessarei quando foi que fraquejei
e quando perdi o interesse de prosseguir.
“Não, não se assuste tanto assim...”
As coisas mudaram.
Os meus dedos estão calejando
cada vez mais depressa.
Estou sobrevivendo cada vez mais imune
às feridas envenenadas.
A pele da ponta dos dedos engrossou.
Já coleciono várias cicatrizes.
Mas sou exigente:
para acreditar os ensaios dispensáveis,
entendo que careço de mais dor.
“Tenha calma”.
A diferença fundamental é que os espinhos
hoje em dia, até penetram, machucam,
mas tudo fica por aí.
Não conseguem mais profundidade
para oferecer risco
de ferida de morte ou mutilação.
Tem momentos em que me vem
o arrepio da proximidade do perigo.
Mas aprendi que este é o momento
em que se precisa ter calma.
Sento em algum cantinho do jardim
e pacientemente vou forçando a saída do espigão.
Às vezes demora anos para ser expulso.
“Mas, paciência. Sempre sai”.
Fico aguardando, quando nada posso fazer...
E quando sai, volto a me jogar para frente.
Cabelos ao vento e fúria de uma primeira vez.
Às vezes, quando se força a saída,
O espinho se parte em pedaços
e algo de sujo e endurecido permanece por dentro,
contaminando, corroendo, inflamando...
Mas passei a entender o processo:
isto contribui para a formação da calosidade,
que é o que me protege.
“Sai, paciência, que sempre sai”.
Pele grossa é pele feia, árida e sem viço.
Mas é pele útil, levando-se em consideração
a necessidade de vencer a guerra de sentimentos
tão própria da natureza humana.
O tempo...
O tempo vem me fazendo os calos...
Ainda não tenho como avaliar
se foi boa coisa o que ele me fez.
Vou precisar de mais tempo para poder responder...
Enquanto isso, vou circulando os canteiros
já em postura de “vencedora de batalha”,
provocando as flores
e desafiando as palavras aos berros.
Assim, obrigo-as a me atacar de novo,
e de novo, e de novo...
Continuo a guerra santa,
acelerando o meu treinamento pra vida.
É que tenho pressa.
Quero bom êxito agora,
para me atirar neste restinho de tempo
que ainda me sobra.

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