30 de agosto de 2006

A dança desencontrada do amor



Descrição da imagem: por entre os galhos verdes da planta, vê-se o céu azul ao fundo. 
Em primeiro plano, flores brancas de pétalas brancas e grandes. O centro das flores é amarelo.


A dança desencontrada do amor

 
Pelo deslumbramento que experimentara, resolveu: queria a presença dela para sempre em sua vida.

E sem a menor cerimônia e nem meias palavras disparou uma adorável metralhadora de promessas amorosas.

Simpatia, flores do campo, ligações na madrugada, olhares de cumplicidade, sorrisos encantadores, beijos ardentes, rosas vermelhas, presentes, compreensão, luz da lua, promessa de casamento, anel de brilhante, proteção, ombro amigo, segurança, aliança, mais rosas vermelhas, desculpas, chegar cedo em casa, largar os vícios, empenho na profissão, jantares, músicas, lágrimas e mãos dadas no último capítulo da novela, não ter medo de TPM, ajudar com os filhos, mais e mais rosas vermelhas, sedução, confiança, gozo, a simbologia de uma canção, na saúde, na doença, na tristeza, na alegria, por todos os dias do resto de suas vidas... e sempre muitas rosas vermelhas.

Ela ouviu tudo em silêncio e olhou bem em seus olhos. Riu seco, com uma dose de ironia e até com uma certa agressividade.


“Só podia ser uma brincadeira!”

“Um truculento absurdo!”

Deu-lhe as costas e saiu resmungando para si mesma, sem dizer “sim”, nem "não”.

Já caminhando, veio em seus pensamentos um misto de espanto e lamento. Trouxe a mão ao rosto, discretamente, como a se proteger do sol, mas o que queria esconder, mesmo, era a feição de dor que sabia estampada.

Seguiu em frente como sempre fez, mas custando a acreditar que naquele minuto encontrara em espírito e carne o que por toda a vida esperara em silêncio, só que muito depois de ter desistido da sagrada busca amorosa.

27 de agosto de 2006

Herança

Descrição da imagem: Céu azul ao fundo; pequenas florzinhas do campo, brancas, 
embelezam os galhos verdes da planta que foi fotografada mais para a esquerda da foto.

Herança

Meus pais integram a massa dos operários
que todos os dias construem o país com o braço.

Meus pais não souberam transmitir a mim outra coisa,
que não o gosto pela ordem, pelas noções de higiene,
pelas contas pagas em dia,
e pela cabeça baixa
em respeito aos que se dizem superiores.

Meus pais não souberam me ensinar outros ofícios,
que não os que exigiam esforços exaustivo das mãos
e repetição cega de idéias velhas e questionáveis.

Meus pais não aprenderam a voar,
e não mencionaram, sequer,
a existência dessa possibilidade.

Meus pais há muito cansaram.
Meus pais não sabem o que descobri
e almejo usufruir ao menos em solitude.
Meus pais não têm mais tempo para o que chamo de vida.

26 de agosto de 2006

Fim de Caso

Fim de Caso



Ele guardava os meus versos,
como se fossem as chaves que o levariam até mim.

Para ele, eram como respostas dos meus mistérios,
do meu silêncio, dos meus porquês,
da ausência dos meus beijos.

Na falta de minha pele,
onde pudesse repousar e aquecer as mãos,
acostumou-se a tatear a textura dos meus papéis
e assim acalmar seus desejos.

Deleitava-se com isso.
Era mais segura, essa forma de relacionamento.

Transformou-se num leitor voraz dos meus escritos.
Versos, cartas, lembretes em papel de embrulho,
cadernetas, lista de compras, rascunhos de um artigo
agendas, resumos descompromissados,
dedicatória em um livro.
Vindo de mim, não tinha muito critério.


Consumia-me por papéis, meio que como um vício.
“Como foi o seu dia, meu amor?”,
perguntava, sozinho, enquanto se deliciava
deitado, olhos fechados ...
com meus escritos cobrindo-lhe “as vergonhas”.

Dos pedaços de papel, testemunhas do meu sentimento
buscava extrair a leitura do meu silêncio.
A peça que faltava, a lacuna, o sentido...
Assim acreditava construir
a segurança de que carecia para si.
Nos meus escritos
dosava o quanto em minha vida teria espaço,
caso fosse mais arrojado e olhasse em meus olhos.

Torcia para que as minhas mãos,
antes de se dedicarem aos escritos,
tivessem se destinado ao passeio, ainda que breve,
pelas minhas formas.
Tateava o papel com ânsia e atiçava as narinas
buscando ali algum resto de mim,
algum segredo de carne,
que pudessem lhe acalmar a porção selvagem.
Dia desses usou a língua.
Mas foi cuidadoso; somente pelas bordas,
para não tornar ilegível
e nem imprestável o escrito que continha.

Pelas minhas folhas, aprendeu a saber dos meus passos.
Pelo meu contato com o papel e a caneta,
já sabia do meu estado de espírito
e do movimento do meu dia.

E eu tinha uma escrita solitária, ardida...
Isso era triste, mas lhe acalmava,
pois assim me imaginava só sua...

Aí veio a era da informática,
Teclados, monitores, editores de texto, blogs...
Rendi-me à ciência.
A partir daí,
nunca mais ele teve em suas mãos o meu mapa
na língua que tão bem entendia.
Em agonia, ia a internet
e lia os meus escritos repetidas vezes,
mas não mais me sabia.
Foi então que entendeu
que pouco lhe importava o teor da escrita.
Sua linguagem era outra, a da tez das mãos
a do cheiro, a do sabor, a da textura dos papéis.

Se dizia homem decidido
e não admitiu em sua vida sentimental
a inércia e a frieza do teclado.
Sem pensar duas vezes, deu fim ao relacionamento,
e passou a maldizer o progresso, a ciência e a tecnologia.

22 de agosto de 2006

O Encantador de Serpentes

O Encantador de Serpentes


Eu já sonhava com a textura do teu toque,
quando o palco ainda era tua morada.
Eu já imaginava o calor de tuas mãos,
desde a primeira vez
em que te vi acariciar a pele das congas,
ordenando tuas vontades em gestos,
e elas, alucinadas, te obedecendo em ritmos.

Eu recriei em ondas cerebrais o teu grito rouco e forte,
quando meus ouvidos só conheciam
as primeiras nuances de tua voz cantarolando em falsete,
dando ritmo as mulheres que te adornavam o solo.

E já sabia que um dia tu descerias do tablado,
e buscar-me-ia com os olhos em meio ao público.
E quando me achasses, sorririas,
e com calma entrarias em minha vida,
como se há muito ela já fosse tua.

De antemão, eu sabia que me olharias nos olhos,
e me afagarias as mãos.
E que me dirias coisas profanas ao ouvido.
Segredos nossos, do que ainda teríamos a sobreviver,
mas que eu já colecionava e, por isso, não me assustavam.

Disso tudo eu sabia,
porque antes do fim do show de tua vida,
antes de desceres do palco
eu já havia pedido licença ao meu sagrado
e tratara de exercer minha arte, o meu ofício,
para restituir-lhe o feitiço em gênero e em número,
mas em grau mais intenso.

Para ter-te meu, como me tinhas,
Tive que te fazer cativo do meu enredo.
Teci-lhe uma longa e emaranhada história,
cheia de nós e pontos reversos,
na qual eu trançara, cuidadosa e antecipadamente,
o roteiro que eu queria que tivesse a nossa sobrevida.

Pedi licença ao teu profano
e estreei no teu palco a minha fábula,
cheia de heróis, príncipes,
capas, espadas e dragões vencidos.
Nela, não haveria piedade para os maus.
Também não haveria donzelas,
até para que não houvesse necessidade de dublês
e com isso inchasse o orçamento
– já que dinheiro é sempre problema nos relacionamentos.

No palco, só eu e você.
E o final era de múltipla escolha,
qualquer deles, venturoso.
É que tínhamos nos pulsos
como garantia de vida, a marca dos afortunados.
O sinal profundo, feito a ferro e fogo
pouco depois do nascimento,
e que nos identificaria quando, enfim, nos defrontássemos.
Por ele, perdíamos o medo,
pois sabíamos que juntos,
separados pela vida ou por outros amores.
Em qualquer dos finais, seríamos “felizes para sempre”.

21 de agosto de 2006

Dignidade

Publicado na Coletânea de Poesia e Conto "Trabalho e Condição Humana", 
em concurso promovido pelo TRT 19ª Região/AL - em 2006.

Ela atravessou a rua movimentada, repleta de sonhos e esperanças. Olhos brilhantes, um leve sorriso esboçado no rosto visivelmente jovem. O coração compassado a muito custo, mas cuja batida, de tão forte, parecia que ia ser ouvida no momento da entrevista.

Embora tivesse pressa, cruzou a larga avenida pela faixa, ao acender-se o semáforo para pedestres, embora tal ato aumentasse, substancialmente, o caminho a ser percorrido até o seu destino. É que era moça criada com muitos cuidados, embora de origem humilde. Tinha sido bem ensinada a cumprir as regras, normas e orientações vindas dos mais velhos e das autoridades, sem muito questionar.

“Agora ia dar certo!” – falou para si mesma. Com muito sacrifício, formou-se em Magistério em sua cidadezinha natal, lá no alto sertão, lugar onde a dor, o sofrimento e a efemeridade das coisas ensinam que a vida é só para os corajosos, para os que querem um pouco mais do que, simplesmente, “ver o tempo passar na janela”. Não, não permitiria que secassem sua pele e seus sonhos, como secavam periodicamente as paisagens de seu torrão!

Adiantou-se bem nos estudos. Só completaria 18 anos dali há 8 meses. Mas ouviu falar que já podia trabalhar com carteira assinada, “tudo direitinho, que depois dos 16 anos já podia”. Assim, viera para a “cidade grande”, certa que conseguiria o tão sonhado “primeiro emprego”, com o qual – em seu coraçãozinho franco – ansiava ajudar a família.

Luizinho, seu irmão, por certo enfrentaria menos dificuldades para concluir seus estudos. Quem sabe até – menino esperto e ligeiro que era – pudesse prosseguir e chegar à universidade. Filho doutor... que alegria para seus pais!

Para o seu pai – artesão habilidoso – mais nunca devidamente reconhecido em sua comunidade – compraria o pirógrafo profissional. Nas poucas horas vagas que lhe sobravam da labuta, dedicava-se a arte de talhar madeira. Qualquer uma que lhe chegasse às mãos. Era o que lhe dava o prazer e a alegria necessários para tocar sua vida e seguir em frente.

E o mais importante: finalmente, poderia custear a cirurgia de varizes necessária ao restabelecimento da saúde de sua mãe, que de tantas dores e desconforto, já não trabalhava e pouco se locomovia. Até aquele momento, do SUS, só haviam promessas e uma fila “desumana” a enfrentar.

Instalara-se na casa da “madrinha de uma prima”. Não tinha ninguém mais próximo na capital. Buscava ficar invisível a maior parte do tempo, para causar o mínimo de desconforto. Mas essa tarefa era por demais difícil, numa casa de apenas um quarto, onde a tal senhora, viúva, morava com um casal de filhos e um netinho de cinco anos, fruto da “pouca vergonha” de sua filha (repetia sempre que podia).

Nenhum deles trabalhava. Viviam da pensão do finado marido, que havia morrido em razão da queda de um andaime, na construção de um edifício grã-fino, luxuoso e exuberante, para os seus futuros moradores, mas mesquinho e algoz com os que lhe deram forma e estrutura.

Comentavam que o finado, em vida, não permitia a situação da família ser ruim. Só que ele sempre trabalhou “de bico”. E os meses decorridos entre a briga judicial para a comprovação da situação de que o finado era empregado da construtora – arrastados ao máximo por atuação do advogado da empresa – e a concreta percepção do benefício, foi tempo mais que suficiente para que fossem obrigados a vender os poucos bens e objetos que possuíam em sua casa. Consumido esse humilde tesouro, passaram à segunda fase da degradação social: a perda do crédito nas mercearias do bairro. Por fim, o golpe de misericórdia: o penhor da honra aos agiotas.

Vez por outra, esses abutres de plantão adentravam sem respeito na residência, ameaçando-os, na vã esperança de ver de volta a cor do dinheiro que empenharam. Isso como uma última medida antes de partirem para o cumprimento das promessas de ameaças física. Tal dívida dilapidara a vida e o caráter da família, comentava a vizinhança. Não bastasse o constrangimento de tais “visitas” e a ironia da fala desses magarefes, um ou outro sempre lhe lançavam olhares fulminantes e desrespeitosos. Tinha sua formosura e encantos, naturais. Estar na flor da idade também ajudava muito.

Nesse cenário, não podia contribuir com nada. Então, procurava não ser um peso. Silenciava para não ser percebida. Sentia que após três meses dessa convivência forçosa, começava a ser indesejada. “De favor não podia mais ficar por muito tempo. Precisava do emprego para custear ao menos o que consumia”.

Com esta, já era a sétima seleção a que se submetia nos três meses que se encontrava na cidade grande (grande pelo menos aos seus olhos).

A primeira, não passou da sala de espera da diretoria da escolinha de ensino fundamental. Foi avisada, sem cerimônias, pela secretária, que a filha de uma amiga da diretora, por telefone, atropelou-lhe o sonho do primeiro emprego já na área para qual havia se qualificado.

Não se deu por vencida: distribuiu currículos, custeados com o pouco dinheiro que trouxera, preencheu fichas de inscrição, foi ao SINE – Sistema Nacional de Empregos, mas não conseguiu participar de nenhuma seleção em sua área. Não conhecia ninguém que lhe indicasse ou servisse de referência, o que dificultava as coisas. “A vida está difícil, mesmo” – pensou – “aceito uma proposta de emprego, mesmo fora da minha área, emergencialmente, e em seguida busco com calma o que sonhei pra mim”.

Fez amizade com o dono da banca de revistas do bairro, e passou a ler os classificados todas às manhãs. Isso com muito cuidado, para não amarrotar o exemplar. Copiava tudo o que lhe parecesse possível, sem muito critério. Sua necessidade atropelava a auto estima e as exigências mínimas.

Sua segunda tentativa foi numa loja de cosméticos, no centro da cidade.


“Carteira assinada!? Olha, veja bem, você começa a trabalhar e, dependendo do seu ‘traquejo’, a gente vê isso depois”. Disse um sonoro não! Havia lido tudo direitinho, na cartilha distribuída no SINE. “Tem que ter carteira assinada! Eu sei! Senão, não tem as garantias para se eu adoecer ou, Deus me livre, morrer. E a aposentadoria? Assim não vão ser contados ‘os tempos’! Não, obrigada”. Saiu da loja de cabeça erguida e honra intocada. Percebeu ar de riso por parte das pessoas que presenciaram a cena, mas não se permitiu aviltar.

“Procura-se mulher de pele clara, boa aparência, até vinte e cinco anos, para trabalhar em barzinho; não precisa ter referências”.

“Para ser sincero, melhor que não as tenha” – falou o dono do Bar da Estrela, homem de meia idade, palito de dente no canto da boca, corrente grossa de ouro no pescoço e pele tão oleosa que lustrava sob a luz da lâmpada amarelada, na salinha abafada que ficava aos fundos do estabelecimento. “Sabe como é... a clientela gosta de novidade. Aqui eu não permito programa! Se você quiser fazer por conta própria, você é quem sabe. Mas o cliente tem que adiantar 50% do que vai lhe pagar para poder lhe tirar da casa. É para sua própria segurança, sabe? Aqui você faz os pedidos, serve as mesas, ao final do dia lava e limpa o salão, ajuda na cozinha e, se o cliente quiser, pode dançar em cima da mesa, sim, sem problemas!. Aí, o resto, você em quem resolve se faz ou não. Aqui eu não forço nada! Agora você não pode vir vestida assim não! Tá muito comprida essa saia! Mas as outras meninas lhe ajudam a melhorar essa aparência. Você até que é jeitosa... Ah! Tem que providenciar um documento ‘de maior’ para você, para não dar problema com os tiras.”

Num misto de nervoso e boa educação, agradeceu e saiu correndo. Uma lágrima pendia de um olho. Apenas uma, embora o fato justificasse uma cascata. O sertanejo chora com o coração, com o peito. Não lhe é dado o luxo desse fenômeno natural. “O que for líquido, economiza-se”.

“Isso nunca – falou em voz alta, para si mesma – hei de me guardar, não para depois do casamento, pois não sou casta, mas para quem eu vier a amar. Nunca deitarei por dinheiro”.

Depois veio a seleção para a vaga de secretária num escritório médico. Exigiram computação. Bem que tentou fazer o curso, ainda no interior, oferecido por uma entidade sem fins lucrativos. Mas o rebuliço foi grande na cidade; haviam muitos interessados; ficou de fora.

Na seleção para cobrador de ônibus da empresa de transporte urbano, exigiram experiência anterior.

Na de vigilância suas esperanças se reacenderam. Passou por dinâmica, psicotécnico e entrevista. No dia do resultado, a notícia desagradável: reprovada!

“Mas eu só queria saber o que foi que eu fiz de errado! O que foi que eu disse!?”

“Não vem ao caso. A seleção é sigilosa e não podemos divulgar o por quê”.

“Mas eu só queria...”

Diante de seus olhos, jazia embaixo dos cotovelos da entrevistadora, como se fossem uma improvisada “tranca de segurança”, a pasta transparente, onde reconhecia seu teste; limpo, organizado, de letra legível, como lhe ensinara Dona Teresinha, a professora do primário, lição que sorveu de um fôlego só, e carregou pelo resto da vida.

“Mas, hoje seria diferente”, desejava com ardor.

Chegou. Apresentou-se. A vaga era para auxiliar de serviços gerais em uma fábrica de refrigerantes. A entrevistadora não chegou a ser desagradável, mas a sua frieza a assustou. Não lembrava ter conhecido ninguém assim em sua vida. “Vai ver é a frieza que contamina as pessoas da cidade grande”, pensou.

Ela foi logo lhe dizendo: “aqui você não vai ser empregada. Aqui você é sócia; é dona do negócio. Somos uma cooperativa de médicos, engenheiros, motoristas, encanadores, mecânicos, modelos e auxiliares de serviços gerais. E tudo funciona direitinho. Agora, só tem vaga para serviços gerais. Primeiro, você tem que preencher essa ficha com os seus dados, e essa outra concordando com o estatuto da cooperativa. Ah, também tem esse papel para você assinar. Está em branco, mas é que eu não tive tempo de preencher, e para facilitar, você assina logo e eu preencho depois. Em seguida, você tem de pagar R$ 150,00, ‘no ato’, se aceitar a proposta, para custear sua adesão. Sabe como é... a papelada de adesão custa caro!” Tudo aquilo lhe causava estranheza. Nunca tinha ouvido de que se tivesse de “pagar” para poder trabalhar.

Continuou: “agora, quando você passar a trabalhar, só receberá dois terços do salário, pois o outro terço é convertido em favor da cooperativa, para manter a estrutura dessa sala, aqui na empresa de refrigerantes. Afinal, sem essa sala, não temos como intermediar o fornecimento de mão-de-obra. Ela é essencial. Você não vai ter carteira assinada; mas é porque não é empregada, eu já expliquei, você é autônoma, dona do seu negócio, juntamente com os outros sócios. É tudo muito vantajoso! Agora, você tem que pagar, ainda, por fora, o seu fardamento, botas, luvas, e ajudar no custeio do material de limpeza. Sabe como é...se a gente não cobra nada, é aquele estrago de sabão, desinfetante... mas não se preocupe. Esse desconto é só a partir do primeiro salário”.

Tão grande seu espanto, que teve receio de seu semblante expressar as desconfianças que lhe vinham à mente. Controlou-se para não franzir as sobrancelhas. Não podia perder essa chance.

“Espere, eu ainda não acabei de mencionar as vantagens! No horário de trabalho, você poderá tomar todo o refrigerante que você quiser; tanto quanto puder. Só é trazer o copo. Agora, água não tem não. Se não quiser refrigerantes, vai ter que se servir da água da torneira do único banheiro disponível para os empregados da fábrica. Água custa caro!”

Tentou explicar que especialmente para ela, não era vantagem alguma, que não podia tomar refrigerantes, pois lhe ocorriam dores abdominais fortíssima, seqüelas de uma esquistossomose que lhe acompanhou por toda a infância e lhe deixou o “intestino” delicado.

“Só trabalhamos para essa empresa. É aqui mesmo que você irá trabalhar. Também não permitimos alterações no contrato de adesão. Você só está ‘dentro’ se aceitar tudinho que está no documento. Você tem os R$ 150,00?” Não tinha.

“Gostei de você. Vou te ajudar. Espero até o fim do mês a sua adesão. Deixo sua vaga reservada”.

Saiu do escritório da tal cooperativa, encravado na estrutura da fábrica de refrigerantes, com a cabeça a mil. Como conseguir o tal dinheiro? Tinha quase vinte dias, o que era um bom prazo, mas não sabia o que fazer para levantar tal quantia.

Já eram 11h da noite e sequer tinha comido nada até àquela hora. Estava imóvel, no sofá de dois lugares, que lhe servia de cama, da minúscula sala da casa da viúva. Abraçou-se a uma almofada descosturada, em cuja fenda circulava o dedo indicador, com a insistência de um mantra. Não conhecia ninguém na cidade, afora a família falida que lhe acolhera meio a contra gosto.

Naquele dia conseguiu, finalmente, ser invisível.

Que fazer? Não poderia contar com seus pais. Assim ficou o resto do dia. Quieta, em frente à velha televisão, mas sem perceber as imagens, absorta em seu mantra.

Para não dormir em jejum, um café aguado (economia de pó) com pão dormido. Tamanha a confusão de idéias que sequer lembrou de comer. E nem foi indagada por ninguém se desejava se alimentar.

No dia seguinte, levantou-se, resoluta, antes do nascer do sol. Não se acordou, pois sequer dormiu, tamanha a euforia com a enxurrada de idéias que lhe vinham à mente. Debatia-se com umas, abraçava outras... confusão mental.

“Seria só uma vez” – pensou. Lavou o rosto, cortou e costurou a barra de sua melhor saia, calçou suas sandálias de festa, olhou-se nos olhos, no pequeno espelho do banheiro, passou o batom vermelho que encontrou por ali e saiu resoluta em direção ao Bar da Estrela...

Assunto Proibido


                     Descrição da imagem: flor em tom vermelho forte, com formato que lembra os órgãos genitais femininos.


                      Assunto Proibido

Não gosto de falar sobre sexo,
pois é coisa que expõe meu lado avesso,
o meu contraponto, o “pulo do gato”,
a secreta, o que sou no escuro
e o que prefiro não mostrar
ao menos assim, facilmente.
Solitário, a dois, “a trois”, grupal,
por amor, por tesão, por interessetanto faz. É coisa minha. 

Sexo é coisa por demais íntima.
E quanto a isso, silêncio absoluto.

Viajo em lembranças
e ardo pelo que ainda não vivi.
Guardo em mil caixas diferentes,
numa confusão propositada,
as nuances que traduzem o que sou:
o meu gosto, o que quero,
o que sonho, o que desejo,
o que espero, o que provoco
o que é fantasia e só sonho,
o que teima em sair dos sonhos
e quer ter asas... 
O que permito, o que omito,onde ardo, os meus sons,
o timbre exato do meus gemidos
a temperatura do meu suor,
a minha úmida intimidade,
a densidade de meus músculos,
a latitude do meu olhar perdido,
o que penso no exato momento
em que me entrego,
as palavras que me saem
sem ordem e permissão. 

Sexo é coisa que constrange.
Que traz a cor vermelha 
à face de quem quer que seja
loucos e poetas,
cientistas e bailarinas,
monges e soldados em missão de paz.

Definitivamente,
não é coisa de que se fale espontaneamente,
como quem fala de culinária, notas musicais
ou avanços da informática. 

Para se falar de sexo, ainda que ao telefone,
é preciso ter coragem.
E para a garantia do clímax,
uma boa dose de ousadia 
e uma ausência de caráter - ainda que breve.


Veludo nas mãos e flechas nos olhos,
pois a mesmice, 
ah, essa a ninguém interessa. 

Falei mais do que devia!
Me perdi nas delícias
e esqueci da compostura.

Com licença, preciso vestir meus segredos,
maquiar-me de acanhamentos
perfumar-me com a essência do recato
e prosseguir
na mesmice assexuada de meus dias.

20 de agosto de 2006

Brilho


Descrição da imagem: fundo escuro e desfocando. 
Ao centro, uma rosa vermelha cheia de gotas de orvalho.

Brilho

O jeito que me olhas
faz com que a minha estória
se pareça a de uma outra vida,
cheia de uma beleza,
e de uma luz, e de uma cor
que, de fato, não conheço.
Mas que cismasses que eu possuo.

Envolvida com tuas palavras,
no mais das vezes até esqueço
que são só dos teus olhos, e não do mundo
que me vêm esta crença de que tenho brilho,
de que vôo em solo
e de que, sem esforço, agrado.

Visto-me, todo dia, do brilho
que acreditas que em mim habita.
E com isso afasto a angústia que carrego,
a tristeza que me brinda, a morte que me sorri,
as perdas que coleciono...
Me acreditando aprazível.

Ao cair de cada noite, sou sua estrela.
Mas discreta e moderada.
Visto-me do brilho,
mas só do necessário para que de mim te encantes
e assim me perdoe os vícios, e me carregue o peso,
e me absorva em êxtase, e me reduza a fluidos.

Visto-me do brilho para que, por teus olhos,
eu também me veja venturosa,
e sobre tudo para me aliviar – acredite –
pois por teus olhos, menino,
penso-me capaz e cheia de encantos.
Um ser humano normal, portanto,
com iluminuras, como todos deveríamos ser.

E é nessa hora que a mágica de saber-me amada
transcende os nossos limites
invadindo os olhos dos terceiros.
Passo, assim, a ter brilho para corações alheios.
Tudo em razão do prisma dos teus sentimentos
que me presenteia com cores, tons e lustres
que nem bem conheço,
mas que conferem o olhar confiante
e sorriso largo que sempre quis ter.

Disso me encarrego – te digo em boa voz –
fazer-te para sempre,
ainda que fugaz e ilusoriamente,
afortunado e bem amado.
Pois ainda que cansada e dorida,
por meus próprios desencantos,
visto-me, em eterna missão,
todo dia, do mesmo brilho
para encher teus olhos
que me acreditam, me afiançam
e me convencem a prosseguir,
intrépida e audaz,
como eu sempre me quis.

18 de agosto de 2006

O Convalescente

Descrição da imagem: o fundo da foto é bem escuro.  A flor é branca, com textura e pétalas que lembram uma rosa, só que bem aberta. O seu centro é amarelo alaranjado.

O Convalescente

Sarei da dor do amor.
E agora resolvi apostar em nova conduta.
Faço planos para me arriscar
mas sem novamente vir a padecer.
Afinal, quem de bom grado aceitaria sofrer!?

Eu sei: as dores de amores mais persistentes
ainda levarão algum tempo
para perder o contorno forte de suas marcas.
Mas já que não mais sangram
- o que me deixa tranqüilo -
acredito-me preparado para retornar
à arena das conquistas amorosas 
em grande estilo.

Mas, de logo, deixo claro minhas exigências:
Quero alguém assim...
Que eu não precise dizer ‘eu te amo’
mais do que três vezes por dia.
Assim já está de bom tamanho.
Logo após cada refeição,
é mais do que suficiente
para uma vida salutar
e para uma morte acreditando-se feliz. 

E que eu não precise me dedicar 
a afagos e carinhos o tempo todo.
Com um aconchego junto ao lanche da manhã 
e outro na hora das guloseimas do fim da tarde,
supre-se o mínimo das necessidades amorosas,
indispensáveis a sobrevivência digna e sadia,
até o próximo grande bocado,
doado com as refeições maiores,
tudo como já prescrito
pelo médico que de antemão consultei.

Sedução depois da ceia também é permitido.
Mas sem exageros,
que é para não dar congestão
e nem comprometer o sono da cura.
E a entrega... ah, essa só nas madrugadas,
às escuras, sem gemidos, sem testemunhas,
sem olhos nos olhos e sem muita lambuzeira.

Por hora, só aceito se for assim. E pronto.
Disposto o regulamento,
resta-me agora encontrar o louco parceiro.
Sento-me enquanto espero
quem esteja disposto a aceitar
um amor com direção e roteiro.

17 de agosto de 2006

Três jornadas e mais hora extra


Descrição da imagem: as folhas verdes da roseira ocupam toda a foto. 
Ao centro, uma rosa já seca e morta, que era cor de rosa escuro, mas que se encontra desbotada.

Três jornadas e mais hora extra
São 4h15min da “madruga”, de uma sexta-feira pós-feriado.


Enquanto minhas “olheiras” fitam o monitor e meus dedos dormentes dedilham – sem compromisso – o teclado do PC, minha filha, Beatriz, de quatro aninhos, exausta, repousa o sono dos justos, tentando recuperar as horas que lhe foram roubadas por uma inesperada crise de asma. Vez por outra, em situações como essa, as mulheres se vêem diante de uma terceira jornada, compulsoriamente agregada ao cotidiano, que já possui outras duas oficialmente estabelecidas.
.
Beatriz foi nome que escolhi para a filha que eu viesse a ter, antes mesmo que me visitasse o instinto maternal, ou se apresentasse parceiro que partilhasse o mesmo sonho. Significa: “a que traz felicidade”... e traz mesmo! Nunca me vi tão seguramente apaixonada e nem tão concentrada em fazer alguém feliz.
.
Sim, ter filhos é o mais intrigante mistério da vida. E não há nada nem de longe parecido, que nos permita estabelecer comparações, para facilitar o entendimento dos que ainda não experimentaram do milagre.
.
“Mas tudo tem preço e nome”: a maternidade traz, também, sua dose de peso e desconforto. Principalmente para as mulheres dessa era, que deram asas as suas vocações e buscaram seguir suas aspirações e seus sonhos, não mais dedicadas somente a condução do lar.
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Noites sem dormir, como esta, são relativamente constantes, pois o sono é de virgília. Já os dias ficam corridos, pois você passa a se dedicar a dar solução a “duas vidas” (uma espécie de “empresária voluntária” em tempo integral dos interesses dessas coisinhas fofas). Pentear dois cabelos, passar fio dental em duas bocas, vestir dois pijamas, limpar quatro orelhas e cortar quarenta unhas.
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O peito do frango, sua parte preferida, não mais lhe pertence, se a genética for forte e os paladares parecidos. Pensou que ficou livre do Português, Matemática, Geografia e História, por ter colado grau em nível superior e apostado em carreira que não requer o manejo desenvolto da tábua de logaritmos, do uso da crase ou das invasões persas? Vai ter que começar a estudar tudinho de novo! Vai ter que ativar a memória para acompanhar as tarefas escolares que, hoje em dia, não são moleza.


Energia para montar quebra-cabeças ou para assistir pela vigésima sétima vez ao “Rei Leão”, com entusiasmo, quando tudo o que se quer é maldizer a vida e jazer prostrada no sofá, após longo dia de trabalho... lamento, não é mais possível. Ela quer brincar! E isso são só alguns exemplos de situações que nos tumultuam o dia-a-dia. Porém, pagamos o preço, sorrindo, tamanha a plenitude desse relacionamento. Pelos filhos perdemos os pudores, esquecemos os (pré)conceitos, jogamos fora a classe e a etiqueta. O que nos importa é que eles estejam bem, confortáveis e felizes, e nos permitam permanecer como espectadores de suas conquistas e alegrias. Nada mais.


De certo que há homens completamente concentrados em ‘lamber suas crias’ e conduzi-las ao mundo, ensinando-as “o caminho das pedras”. Mas, infelizmente, essa não é a regra. Cabe a nós orquestrar os atos necessários ao desfecho vitorioso dos males que porventura acometam nossos pequenos rebentos. “Não dá mais. A febre não cede. Vamos ao hospital”. No filme de nossas vidas, essa fala é nossa, mocinhas ou bandidas. Somos nós que decidimos a hora. Eles balançam a cabeça, em assentimento e reverência a nossa natural intuição, e tentam ser rápidos, manterem a calma e serem frios ao volante.
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E a tal sociedade nos ensina que só por isso já devemos “lamber os beiços” e agradecer aos céus. ”Poderia ser pior!” – dir-se-ia – como se ao homem fosse dado o direito de “chutar o pau da barraca” e portar-se como irresponsável, inconseqüente e, ao mesmo tempo, manter a honra branquinha e engomada. Mas parece que para a mulher só foram reservados os dois extremos: “santa ou puta”.
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A todos, atenção! Não é somente o fato de ter nascido mulher que determinará a presença do instinto maternal em nossas vidas. Algumas mulheres, simplesmente, não o terão. Assim como alguns homens foram com ele presenteados. E isso não fará de nós menos machos, ou fêmeas. Já evoluímos o bastante para entendermos que a diversidade é algo a ser respeitado. Abaixo os rótulos!
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O dia vem nascendo e o sol aparece. A “que traz felicidade” permanece em sono profundo, como a “Bela Adormecida”, sem fuso e sem roca. Terá sido a agulha da injeção o malsinado objeto enfeitiçado, que não lhe permite o despertar??? Imune ao feitiço – portanto, fora do conto de fadas – permaneço acordada. E na vida real o cansaço físico persiste, ainda que feliz tenha sido o final da estória.
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Contemplo o rostinho suado, que sinaliza que a febre cede aos poucos. O respirar, ainda ofegante, força a boquinha a permanecer aberta, em alternativa ao ar que não chega suficientes aos pulmões, o ronco no peito... concluo a “terceira jornada”.
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Mas a vida ainda nos pede mais. Há previsão de “hora extra”. É o último ato de coragem dessa odisséia doméstica, da qual os homens também parecem estar liberados (já que nesse jogo de luta pela vida de nossas crias, foram “escalados” como reservas): apresentar atestado médico no trabalho, relativo a uma sexta-feira, quando a quinta que lhe antecedeu foi um festivo feriado. Ainda bem que minha chefia direta é ocupada por uma mulher, que - a propósito – também é mãe.

7 de agosto de 2006

Palavras de Absinto (Intimidade)


Descrição da imagem: orquídea em cor vermelho bem intenso, em tom que lembra o vinho.



Palavras de Absinto
(Intimidade)


Ele me viu nua, já no primeiro dia.
Pois de que outra forma teria visto minha alma?
E eu sei que viu!
Eu, que a vida toda tantos cuidados tomei
para mostrar minha essência


apenas ao que me inspirasse confiança,
agora, me via nua, diante daquele estranho,
que só não me fitava os olhos,
mas por todo meu corpo e pela minh’alma corria os seus.

E Ele não se contentava em apenas me olhar.
Queria mais!
Imaginem: queria fazer minha leitura!
Ah, não, isso não!
Isso eu não permitiria!
E até que sou tolerante.
Mas, nesse caso, quanta ousadia!

Mulher braba, que sempre fui,
Esperneei, ameacei, roguei pragas,
Sem medo que, atiçando sua ira,


ali minha existência chegasse ao fim
– mas era mal menor que a exposição,
que naquele momento eu sofria.



E maldisse seu sangue,
em todas as gerações que lhe seguissem,
Se chegasse mais perto de mim.

Gritar, não! Isso eu não fiz!
Ele não podia conhecer mais um pedaço de mim,


tão bem guardado,
sem que me trouxesse ainda mais encantos.

Não gritei, e nem recitei poemas.
Aquilo tudo era intimidade demais para eu suportar
sem medos e sem acanhamentos.

Exausta com toda aquela situação, proferi em desespero:
“Afaste-se de minha alma!”
Foi somente essa a fala que conseguiu me arrancar,
em todos os momentos que (sobre)vivemos juntos.

Mas Ele não foi embora.
Alheio a minha ordem,


continuou a passear pelo meu corpo,
pelos meus pensamentos, pelas minhas pernas,
pelas minhas marcas, pelas minhas dores e delícias...

Finalmente Ele pareceu cansar.
Mas foi aí que me olhou nos olhos, espelhos do que sou.
E sorriu...
Pelo semblante, estava maravilhado...

Por um segundo, apenas, piscou os seus,
e saímos do transe, desconectamos.
Foi aí que me perdeu de vista.
Houve tempo suficiente para que eu pudesse fugir.

Pronto, era dona de mim de novo.
Inteira, audaz, indomada, corajosa, assustadora...

A partir daquele momento,
Ele passou a carregar um certo semblante...
Um semblante de gozo,
que eu só tinha visto antes
na face daqueles que pintam, escrevem,
dançam, tocam e assim seguem a celebrar a vida.

E sem que fizesse sentido algum,
assim, sem violências, sem toques,
sem palavras venenosas


sem nada que servisse para justificar a atitude,
Cobriu-se com seus cílios e se foi...
E nunca mais abriu os olhos para mim.

Pergunto-me, ainda hoje, o que somente ele viu,
que eu ainda não conheço.
O que de belo habita em mim,
que eu nem mesma sei, e nem tiro proveito.
E também o que machuca, e arranha, e fere, e mata.
Só sei que com sua ida,
algo se desencantou nos meus dias...

Desde então, nunca mais fiquei nua
para quem quer que fosse.
Sei como acontece, e aprendi a evitar.
Assim, passei a ser inteira e unicamente
desse estranho invasor de minh’alma.

Têm dias em que sinto um lamento, um peso...
uma quase saudade
Daquele estranho homem que me tirou a roupa,
visitou minha alma,
Conheceu-me inteira e se foi sem palavras...

Poema da Avareza Sentimental (o que me dás de ti)


Descrição da imagem: gérbera de tom rosa bem claro, com centro amarelado. 
O fundo da foto é azul marinho, destacando os tons claros da flor.

Poema da Avareza Sentimental
(O que me dás de ti)


O que me dás de ti... 
É tudo – e tão-somente – 
o que te escapa entre os dedos. 
O que tuas mãos trêmulas e cerradas 
não conseguem me esconder 
– por mais que tentes.

O que me dás de ti... 
É um breve olhar de relance, 
desses tão negros olhos acanhados... 
É um sorriso do canto 
de tua grande boca, mas contido.
Um acidental roçar do teu forte braço
ou ainda que um abraço, 
chega a mim frouxo e sofrido...

O que me dás de ti... 
É um corpo que me vem ao longe, já oscilante, 
pernas cambaleantes, 
braços que não sabem aonde estar... 
É nada mais que uma palavra, em voz rouca. 
Um suspirar ofegante... subitamente interrompido! 
Privado do respirar, privado do meu cheiro... 
impedido de me amar. 
Ainda assim, me vem ao longe 
seu coração sem cadência, assustado.

O que me dás de ti... 
Pensamentos censurados 
Desejos ousados – mas secretos 
e discretamente sonegados. 
E uma aparente – mas construída – indiferença,
O que acentua o teu charme blasé 
e reputação de “pessoa mal resolvida”.

O que me dás de ti, 
o que somente me dás de ti, 
sem sovinices, 
é a tua ausência... 
Com esta, me brindas em abundância!
Ah, a lentidão das horas que me visitam 
e se passam sem que eu perceba a tua luz... 
Mas ainda que eu te mereça pouco... 
Tão pouco, assim... 
É menos do que a mim caberia...

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