26 de outubro de 2006

Leitura Obrigatória


Descrição da imagem: buquê onde se percebe pequenas flores do campo brancas, 
envolvendo gérberas amarelas e vermelhas.


Leitura Obrigatória

Leia os meus versos
Os que te agradam
O que te encantam
E os que te irritam

Leia os meus versos
Que são as chaves
Da minha alma
Aquela que não tem morada
E carrega em malas pesadas
Para além dos dias tristes
Tanto os sorrisos
Quanto os enigmas

Leia os meus versos
Que serão neles
Que registrarei
Os meus sentimentos
E por onde andei

Os nobres
E os dignos de guerra
Todos merecedores
Do deleite de teus olhos
Leia tudo
Voraz como sempre fosses

Eu não andarei dizendo
“Eu te amo” em cada esquina
Ainda que mereças ou precises
Vá até os escritos e leia

Permita-me morar no silêncio
Fazendo espiral em contorsão
Acomodando minha cabeça
Entre minhas próprias pernas
E permaneça em proteção de mim
Pelas horas necessárias
Ao retorno de minha gana pela vida

Leia os meus versos
Não pergunte de mim
Não indague de meus planos
Facilite-me o entendimento
Leia-me por horas
Leia os meus versos
Leia-me sem fim

Foto: Rita Mendonça (outubro/2006)

21 de outubro de 2006

The End


Descrição da imagem: ao fundo se vê o verde da folhagem.  
Percebe-se algumas margaridas em segundo plano. 
Ao centro, em primeiro plano, uma margarida onde repousa um pequeno besouro;


The End

Você viu o meu passado por aí?
É que parece que ele resolveu voltar
e passar para mim em "avant premiére".
Versão nova de filme antigo
um algo, assim, que eu já vivi,
mas de cores novas.
Remasterizado, colorizado eletronicamente,
com legenda de letras graúdas
para permitir o entendimento
dos que não compreendem meus motivos
a linguagem do meu amor,
a força da minha dor
e minha permanente necessidade de solitude.

Com todos os novos recursos tecnológicos
a meu dispor, o filme de minha vida
parece atraente e até necessário.
Surpresa:
e não é que meu passado é feliz!?

Ah... saudosa,
me vem o desejo de revivê-lo.
É claro que estrearia versão nova
com atores jovens,
belos e bem mais preparados
para as tantas cenas
que antes me pegaram de surpresa.

interpretariam algo mais moderno.
Amigos "on line", relacionamentos em rede,
amores de "internet", sexo virtual.
É preciso aderir
aos confortos da modernidade.

Cenas sem condição de serem refeitas
e melhoradas, seriam cortadas.
Desnecessário dar publicidade
aos tropeços e enganos.
Omissão para as vergonhas
e vexames que passei.

Só permaneceriam os momentos doces,
entrecortados por doses de emoções
fortes, mas belas,
como o exato quadrante das estrelas
do momento em que me entreguei,
sem reservas, ao meu primeiro amor;
os aconchegantes braços de minha cria,
abertos em minha direção
quando os nossos olhares se cruzam;
e a lágrima que me escapou por covardia,
quando providenciei os cortes em meu peito,
para que por eles vazassem um sentimento
que até então me destruía de dentro para fora.

Final feliz, mais uma vez – faço questão.
A diferença seria estética:
efeitos especiais para garantir
um pôr-do-sol avermelhado,
um mar calmo e prateado ao fundo,
brisa amena, cabelos ao vento, a fotografia ideal.
E eu me sentaria
em uma aconchegante pedra cenográfica
– depois dos trinta,
o conforto em primeiro lugar –
e lá permaneceria após o "fade"
de dois gumes e que nos alivia,
mas impede de vislumbrar, com segurança
o que acontece depois do "the end".

16 de outubro de 2006

Mais e mais sexo



Descrição da imagem: Em segundo plano, se vê o verde do gramado.  
A flor é lilás, com centro amarelo, e com formato que lembra os órgãos genitais femininos.


Mais e mais sexo

Gosto de ver a sensualidade alheia
– o que de mais belo há no ser humano.
E aqui não falo de sexo como peça de um ato só.

Falo, sim, das facetas,
do jogo da conquista,
da permissividade,
da subjugação momentânea, por uma boa causa.

É do andar felino e compassado, que falo
(por que será que quem nos atrai parece bailar?).
Pé ante pé – quase uma dança –
que vai fazendo escravo
os olhos dos que lhe acompanham os passos,
ainda que num consultório médico,
numa fila de banco, ou num hall de apartamento.

Falo do olhar de quietude e sossego,
ao mesmo tempo salpicado de fagulhas
em tom laranja e negro.
Aquele olhar, à primeira vista,
de tédio e desinteresse
e que mira o nada
aparentando acanhamento ou descaso.
Mas é por saber de si,
que se recolhe sem medo.

Falo do cheiro dos que há muito aboliram
a artificialidade dos perfumes
para pronunciarem a sua própria essência.
Dos que vivem sem medo
os seus odores mais secretos.
Cheiro de mato misturado com suor
e os outros líquidos.
Sim, falo deles todos.
É ... falo de sexo, pelo jeito,
ainda que eu sua primeiríssima etapa.

Sei o que vocês estão a pensar...
Qualquer hora eu tomo jeito – prometo!
E me dedico a temas mais sérios,
próprios da minha idade
padrão financeiro e “status” social.

14 de outubro de 2006

A contadora de histórias tristes

Descrição da imagem: em fundo escuro, se destacam três flores brancas de cinco pétalas cada.  
O centro das flores é amarelo.


A contadora de histórias tristes


Minha fé diz que serei a última a ir embora
da grande festa da vida.

Sei que a vida me reservou lugar de honra,
camarote confortável, visibilidade em ato de cortesia
e a certeza de que os espetáculos
só inicia com a minha chegada.

Pois que comecem. Aqui estou!
Inicie-se o rosário de dores. As minhas!
E deleitem-se os que me têm antipatia.

Cruzou-me a missão de registrar os acontecimentos.
Narrar em papel umedecido de lágrimas e sangue
os eventos que me circundam.
Não me foi dada a opção de partir
antes dos infortúnios.
Prossigo com a bagagem pesada,
repleta de cadernos
os mais diversos em tamanhos e cores.
E milhares de pedaços de papel, onde fiz anotações.

Partam os meus amores todos,
esposando as mais venturosas.
Desgarrem-se os meus filhos
sem entender o porquê de minha missão
e nem a substância do peso dessa bagagem.
Sucumbam os meus entes queridos
e falte-lhes o caráter,
perdendo-se para sempre
o sangue que tenho por herança.
Nada posso fazer.

Venha a morte em suas variantes:
guerras, doenças, vingança,
fatalidade, coração partido.
Mas não a minha,
que a missão é presenciar os acontecimentos.

Sou a que fecha a porta, a que apaga as luzes
A quem é confiada a chave do recinto das almas.
A quem cabe o ofício de sacudir a poeira
e retirar as teias de aranha, de tempos em tempos,
daquele cômodo mal iluminado e sem visitas,
que conheço bem o caminho.
Limpando, se garante que prossiga a vida.

Sei que só vou ao final.
Verei findar a natureza e as espécies mais belas
secarem os rios, murcharem as flores,
desistirem de nós os botos e as araras azuis.
Desaparecerão sob minha virgília as civilizações
e as obras de arte ainda anônimas.
Perder-se-ão as fórmulas dos cientistas,
ainda em estudo,
sem que chegassem a seu real ministério.
Sucumbirão com suas criadoras,
as receitas seculares das velhas quituteiras.
E perecerão, por ignorância dos guardiões,
os inéditos cadernos de rascunhos dos poetas...

Visões do meu inferno pessoal.
Nada posso fazer para impedir
a sucessão de eventos que a vida me resguarda.
A mim, não foi dado o direito de desistir.
Meu lugar é no meio do caminho
Vendo a vida passar
sem que possa fazer parte dela
carecendo, apenas,
que a descreva com paixão, fidelidade
e no mais das vezes uma certa melancolia.

9 de outubro de 2006

Funcional


Descrição da imagem: no fundo escuro, se destaca um cacho de flores de uma amarelo bem intenso

FUNCIONAL



Com o tempo,
aprendemos a tirar proveito dos espinhos da rosa.
É que queremos tanto os cheiros fortes,
as cores magnéticas e as formas exuberantes,
que cegamos para o substancial:
a definitiva e providencial aflição da ferida.

Muito nos ensinou
a comida que passou do ponto
por descuido de quem nos dizia "amor, amor".
A bisteca carbonizada,
com seus sabores e aparência
que nos fez torcer o nariz
foi combustível de que se precisava
para a necessária conversão de sentimentos
e sobrevivência aos desencantos; sempre.

Para as notícias tristes,
que nos vêm de longe, uma utilidade:
engrossar a película que recobre a alma.
Momentos difíceis, a vida nos reservou
em escala crescente e dilacerante.
Mas pouco a pouco, nos habilitou:
uma unha, uma falange, um dedo,
uma mão, um braço, o peito,
e lá se foi nosso coração junto,
para nunca mais...
A vida é sábia e foi graduando
para que se garantisse a sobrevida
ao menos da casca, após as mutilações.

E as mentiras certas?
Sim, elas também têm sua função.
Ontem, mesmo,
sem precisar expor meus sentimentos,
me deparei com uma enxaqueca
forte e providencial,
o que evitou, com elegância,
o toque de quem não mais desejo.

3 de outubro de 2006

Um discreto gesto de solidariedade

Descrição da imagem: a pequena Maria Luíza tem cabelos louros e usa franja. 
Tem os cabelinhos amarrados do lado com dois prendedores em verde água, mesma cor de sua camiseta sem manga. 
Ela olha para a câmara e come uma amarela carambola, que segura com uma das mãos.


Um discreto gesto de solidariedade

(sobre o seqüestro de Maria Luísa, em 01.10.2006) *


Na manhã seguinte ao dia em que tomei conhecimento mais detalhado do trágico sequestro da pequena e bela Maria Luísa, acordei com um gosto de ranço na boca.


O acontecimento caiu com tanta violência em minha vida, que obscureceu a não menos impactante notícia da queda do avião da Gol.

Talvez por envolver uma criança tão pequena e na cidade onde resido, talvez por ter uma filha que no próximo dia 12 de outubro completará 5 anos, e é a razão de meu viver, e que por mais que eu venha a ser um ser humano desprezível, famigerado e ainda que mereça inúmeros castigos e maldições, ela continua a ser apenas uma criança ingênua e sorridente, ainda sem “contas a prestar” com a humidade... não sei. O fato é que bloqueei o sofrimento dos familiares das vítimas do acidente aéreo e me concentrei em refletir sobre o caso do seqüestro e esperar notícias da pequena.

Confesso: não fiz nenhuma oração para que descansem em paz as vítimas do acidente aéreo e nem para que sosseguem os corações de seus familiares. Mente ocupada. Não tive tempo.

Talvez pelo amor incondicional que tenho pela minha filha eu me aproximei mais da dor dos pais de Malu (será que é esse seu apelido?).

Essa dor aderiu a minha alma, e vem tirando as poucas alegrias que me restam. Afinal, quem consegue ser feliz hoje em dia? No máximo, nos sentimos aliviados em “sobreviver” supostamente seguros e saudáveis. E vamos levando...

Mas tem uma dor que ainda incomoda mais: penso ininterrupta e dolorosamente nos medos e angústias ‘fundados’, lamentavelmente, que devem estar povoando a mente desse pequeno anjo, onde quer que ele se encontre. Como dorme? O que come? Será que toma banho? E a sua saúde? Rezo para que a fúria dos seqüestradores tenha se abrandado e ela esteja viva e bem.

Sinto calafrios e receios, ao tempo em que rogo por piedade, silenciosa, cada vez que me vem à mente a sua imagem, que conheci na linda foto que vem circulando os meios de comunicação, num misto de esperança e súplica de seus familiares à população em geral e aos seqüestradores.

Detesto “correntes” e emails padronizados, mas assim que recebi o que divulgava sua foto, tratei de encaminhá-lo para todos os endereços eletrônicos arquivados em minha caixa postal. Nem os amigos que se encontram em outras unidades da federação, ou mesmo as pessoas que tenho contato apenas profissional e esporádico escaparam de minha "sanha louca", mas justificada.

Hoje pela manhã presenciei a prova mais linda de “solidariedade anônima” que eu pude ter nesses últimos dias: com o carro travado e os vidros completamente fechados (pois o terror da violência social e o pânico finalmente tiraram os disfarces e estrearam definitivamente nas terras Caetés), parada, esperando o sinal abrir, na orla, vi uma vendedora de jornais, tentando vender o seu produto expondo um dos periódicos locais de forma não convencional, completamente destrinçado, destacando o caderno interno, especial, onde foi publicada a foto da bela menina, em vez da parte geral, que estamos acostumados a observar, que contêm as manchetes do dia e o nome destacado do impresso.

Segundo o Mestre Aurélio Buarque de Holanda, ser solidário significa partilhar o sofrimento alheio, se propondo a mitigá-lo.

Sei que sofrimento desta proporção não se suaviza com remédio algum. Mas demonstrações dedicadas, embora anônimas, como essa, trazem o alento de que a população alagoana se inquietou e busca adotar as medidas que estão a seu alcance, ainda que discretas e incipientes, em favor da pequena e seus familiares.

Ricos e pobres, católicos e protestantes, parentes e completos desconhecidos, todos estão revoltados, mobilizados e atentos, buscando, em gestos mínimos, como uma prece, um olhar vigilante pelas ruas, o envio de um email, ou uma simples mas efetiva inversão da ordem dos cadernos de um jornal, contribuir para o desfecho feliz dessa tragédia.

Toda a simpatia do mundo para o gesto solidário da anônima vendedora. Toda a proteção do mundo para a meiga Maria Luísa. Nós, esses ilustres e impotentes desconhecidos, esperamos ansiosos seu retorno em segurança.


* O que seria um assalto na porta de uma panificação, foi transformado no sequestro de Maria Luísa, de dois aninhos, que foi levada dos braços de sua mãe, servindo de escudo para os seqüestradores, no momento em que seu pai, policial civil, tentou reagir em defesa de sua família.

Morte e ressurreição do amor

Descrição da imagem: foto de mãos de mulher segurando pétalas de rosa cor da pele.  
Ao fundo se vê que a pessoa usa vestido de cor crua, de linha.


Morte e ressurreição do amor


O amor nos escolheu. A nós dois. E pronto.
Assim, sem explicação e sem aviso prévio.
Éramos novos, sorridentes...
E de forma compulsória fomos escalados para recriar
a incansável saga do mistério da humanidade: amar!

Tratamos logo de criar subterfúgios,
estratégias de defesa, meios de proteção.
Selamos um pacto ardiloso:
aparentemente, nos permitiríamos.
Aparentaríamos temperamento dócil,
faríamos poucas exigências,
sorriríamos bastante, trajaríamos as vestes dos emotivos,
verteríamos lágrimas de alegria.
Enganaríamos o amor.
Ao final: incólumes, safos e livres.

E o amor... ah, esse não teria escapatória!
Pagaria pelas dores que já causou!
Sofreria os males que dantes provocou!
Seria, por nós, enganado e ludibriado.
Acabaria sozinho e triste.

E assim seguimos, em parceria.
Ingênuos e agressivos.
Acreditávamos sobre tudo ter o controle.
Que o amor não frutificasse! Que ele não ousasse!
Estávamos atentos.

A rosa púrpura...
Que os personagens que encenávamos
não crescessem e tomassem nossas vidas,
tão reais e tão sem graça.
E assim seguimos.

O papel era perigoso.
Requeria dublês em vários momentos.
E o orçamento não permitia.
Não teríamos como prestar contas ao amor
e atuamos só nós dois.

Iimaginamos unissonantes:
Vamos eliminá-lo!
E com requintes de crueldade!
ele merece sofrer, esse ladino,
por tudo de mal que já fez a humanidade.
Pelas noites mal dormidas, pelas mortes prematuras,
pelas balas nos peitos e pelos venenos nos copos,
pelos mortos-vivos que não fazem diferença,
pelos aluados de dor que foram viver esquecidos.
Sim, ele merecia sofrer.
E assim selamos seu destino – acreditávamos.

Torturas para que confessasse o que de nós pretendia.
E ele admitiu tudo!
Sim, ia nos arrebatar, a nós dois, este delinqüente!
Uma dupla emboscada, era o que nos aguardava.

O maltratamos, sem dó, pois que merecia.
Vazamos seus olhos, para que não mais visse
o resultado de seus atos e com ele se deleitasse.
Nenhuma aparente sintonia testemunharia mais.
A língua, esta arrancamos,
para que não mais nos seduzisse
nem com palavras e nem com carícias quentes.
Tímpanos estourados.
Nenhuma palavra mais ouviria para seu deleite.

Mas, o que fazer com as tantas outras imagens,
e palavras, e gestos, e sentimentos
que de tantas experiências passadas
já acumulava em sua mente?

Era muito perigoso, esse elemento.
Tínhamos que eliminá-lo de uma vez por todas,
e sem sombra de dúvidas.

O golpe de misericórdia foi proferido.
Esse amor não podia ter mais cara,
nem vez e nem coragem.
Pronto!

Devidamente eliminado, o elementos e os vestígios,
trocamos um breve olhar de cumplicidade.
Um leve sorriso que selou o pacto de segredo
Desse nosso crime hediondo,
sem precedentes e sem perdão.
E seguimos para nunca mais.

Vida, morte e vida.
Valemo-nos do eterno desconforto do amor,
de ser sempre intruso e indesejado.

Só que nos enganamos feio!
Matamos o amor – é certo.
Mas só o amor que existia entre nós dois.
Não corríamos mais o risco
de "sermos felizes para sempre".
Mas a energia, a alma do amor assassinado,
essa passou a perambular inquieta,
e escolheu nós dois como guardiões solitários,
que seguimos possuídos e condenados a amar para sempre
da forma mais autêntica,
espontânea, plena e duradoura
que se possa imaginar.

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