22 de setembro de 2006

A dor do fim do mundo

A DOR DO FIM DO AMOR.
O fim dos meus amores
me ajudou a entender
e a aceitar a morte
com menos covardia.

Ao final dos meus amores
experimentei o gosto da morte
– sei disso.

Não de qualquer morte,
mas da lenta e dolorosa,
da recuperação com recaídas,
da renúncia e do desapego
de quem quer se ver livre da dor
que já não se suporta.

A dor que por tantas vezes
me traspassou de cima a baixo,
como uma lança,
quando meus amores partiram,
ou quando eu deles desisti
(por me faltar opções),
não deve ser menos assustadora
que as manobras cirúrgicas,
os exames de risco,
e as tentativas de prolongamento
quando a vida anuncia
que vai se esgotar.

Arranque-me órgãos,
coloque-me outros,
conecte-me a máquinas
– qualquer coisa –
mas faça parar a dor do amor.
Preciso que chegue o alívio.

Desejo a má notícia,
por ser mais indiferente
e menos inquietante que a incerteza.

Espero...
é o ritual de passagem.

Que me venha a morte,
que já não me assusta.

Já fui dos que só acreditavam
na felicidade a dois.
Hoje, mudei:
sou dos que não acreditam na felicidade.

A dor do fim dos meus amores
não deve ser muito diferente
da dor do fim da minha vida. 

17 de setembro de 2006

O triste deselegante


Descrição da imagem: ao fundo o chão está coberto de cascalhos.  
As folhas são ásperas, duras e espinhosas, em tons avermelhados.  
A flor é rosada, num formato que lembra um abacaxi.  Parece flor de uma suculenta.

O triste deselegante


Ele vestia a depressão como uma roupa, mas num figurino e modelito que não lhe caíam muito bem.

Era lembrar dele e olhar ao longe, e, sabia: lá vinha, com sua camisa que de tão folgada desrespeitava a simetria dos ombros e chega a lhe cobrir as belas mãos, contrariando as regras da moda e o bom senso.

Suas calças, de bainhas curtas demais, deixavam a mostra meias cuja cor não combinavam nem com o clima, nem com o ambiente, e nem com mais nada que parecesse agradável ao deleite dos olhos, ainda que dos menos exigentes.

Sua tristeza era visível. Mas parecia se tratar de uma peça móvel, da qual poderia dispor quando bem quisesse: “um portador de deficiência amorosa”, que largava sua carga quando parecia se interessar por afazeres mais plenos.


Sempre chegada aos desafios, certo dia, acordei disposta a conhecer sua dádiva, tão bem fantasiada de palhaço.

Dirigi-me à sua casa. Anunciei minha chegada com um sorriso e fui dando um jeito de encravar-me em seu quarto.


Sem palavras, deixei cair o vestido, única peça que estrategicamente escolhi para aquele momento. Queria incentivá-lo a fazer o mesmo.

Sem muitas dificuldades, sua tristeza foi parar no cesto de roupas.

Tirada a vestimenta detestável e que lhe enfeava, era belo e transluzente, como eu sempre imaginei.

Abriu-se numa dança amorosa que eu não conhecia, mas na qual era fácil seguir-lhe os passos, e onde se era livre para inventar novos. E inventamos.

Mas ele era sujeito difícil e reservado. Preferia permanecer em breves visitas ao terreno da tranqüilidade, tamanho o medo de saber-se pleno e descobrir-se órfão da tristeza que sempre lhe foi companheira.

Terminado o ensaio de felicidade, vasculhou as gavetas e vestiu-se numa roupa limpa, engomada e, como sempre, fora de moda, mas escolhida com critério.

Escondeu meus cheiros e meus líquidos com muitos borrifos de desodorante spray e, também sem palavras, me conduziu com um beijo no rosto até a porta de saída, passando-lhe a chave.

Foto: Emanuel Galvão (Agosto/2006)

11 de setembro de 2006

Meu brinquedo preferido


Descrição da imagem: muitas flores alaranjadas, parecidas com lírios.


Meu brinquedo preferido.
Sirvo-me das palavras
como brinquedos encantadores,
adoráveis pedacinho de pureza
espalhados pelo chão que me alicerça.

Férteis pensamentos.
Idéias que se concebem
e germinam, esperando maturação.

Letras e palavras,
como brinquedos de encaixe – um grande Lego –
que agrego a escultura de meus versos,
ao sabor de caprichos e intenções.

Sou o Pequeno Construtor
de meu próprio espelho interior.

Desafio que não pode ser temido.
Brincadeiras
são ensaios amorosos para a vida.

Quebra-cabeças de emoções
– que venham cinqüenta, cem, quinhentas peças –
montados com facilidade
ou com extrema concentração,
a depender do presságio.

No amor, sempre investi horrores.
Treinos exaustivos no Banco Imobiliário.
Nas aplicações sentimentais, desastres,
mas também "bons negócios", não sou de negar.

Dor de amor endurece a alma.
O “War” passa a cair como uma luva,
ensaiando ataques, estratégias
experimentando emoções com os meninos
da rua de minha infância.
Campo de simulação de minha tática
de guerrilha amorosa.

Encerro a missão diária,
lápis guardados em estojo cor-de-rosa,
papéis de carta
ordenados em pastas floridas,
fecho o meu baú de brinquedos
e volto a vida de gente grande,
sem cores, sem rabiscos,
sem ensaios,
onde não é permitido usar borracha
quando se erra.

Foto: Emanuel Galvão (agosto/2006)

4 de setembro de 2006

Meu pedido

Descrição da imagem: fundo da foto em verde.  Flor em tom de rosa bem intenso, 
com muitas folhas miúdas. Ao centro, o núcleo da flor é branco.


Meu pedido


Apressa-te!
Joga-te em minha direção
sem medo,
que te amorteço a queda
que tanto temes.

Venha!
Siga-me sem perguntar
para onde, o porquê
e nem por quanto tempo.
E eu saberei a hora certa
de parar para esperar
que retomes o fôlego
do cansaço de tua própria vida.

Grite!
E creia ser feliz a meu lado.
Fale bem alto,
ainda que em voz trêmula.
E por mais que tenhas receio
demonstre confiança.
Só assim a vida conspira e nos favorece.

Confie! Confie mesmo!
Ainda que o teu passado
peça reserva e denuncie o risco.
É que não há outro jeito,
a não ser dizer sim e nos permitir
reeditar com estilo
o que vivemos
sem que tivéssemos controle.

Permaneça do meu lado...
E por cima, e por baixo,
e por trás, e como melhor te pareça.
O amor pede engenho e fineza
Permita-se. Permita a nós.

E se não puderes ser o que te peço,
fique... apenas fique...
Quieto, silencioso, vagaroso,
mas fique comigo.
E fique inteiro.

Montanha Russa (de amor não se morre)

Descrição da imagem: folhas verde intenso ao fundo da foto.  da árvore pendem vagens e um pequeno buquê de flores brancas e rosadas.

Montanha Russa(de amor não se morre)
.
Do zero à centenas de quilômetros,
em frações de segundos,
foram direto ao clímax,
ao ápice do amor
que lhes sorrira uma certa noite.

A cada dia,
um crescente de emoções.

Sensações térmicas,
habilidades mútuas,
almas gêmeas
frio na barriga,
grito adocicado guardado na boca,
esperança de velocidades, curvas
e manobras amorosas.

Mãos aceleradas para o toque,
peitos abertos,
corpos desejosos de entrega,
olhos em feitiço,
feições de encantamento.

Seguidos sustos:
mais uma curva, mais um risco...
prosseguiam.

Espécies perfeitas
da mais abjeta
e apaixonante invenção divina:
o amor.

Entre risos e alegrias
eles sabiam certo:
hora ou outra
viria o declive,
em capa cinzenta,
de surpresas e sobressaltos.
Excitante, mas sem a segura
alegria de construção.

Quem se prepara para a queda?
Quem deixa de voar por sabê-la existente?
Eles não! Foram adiante.

Não sabiam a que altura chegariam,
onde iriam parar e nem como retornar.
De nada tinham certeza.
Mas bastava que seguissem.

Gostavam do risco,
Do grito de temor, da gargalhada sonora,
tudo junto, ao mesmo tempo.

Braços abertos, apontando para o alto,
Parte em súplica ao sagrado:
“Deixe que seja para sempre...”

Ainda assim, esperaram a queda.
E que queda!
Proporcional ao impulso
que os jogara para cima,
e em êxtase,
nem perceberam direito a força.

Seu único alento:
após levantarem
sacudirem a poeira, esticarem as roupas
e se refazerem do susto,
se bem quisessem,
poderiam voltar às delícias
e aos medos repentinos,
sem nem intervalo
pois já haviam sacado
que de amor não se morre,
mas que dele se renasce e se recria.

Foto: Emanuel Galvão (agosto/2006)

1 de setembro de 2006

Me dá, que a dor é minha!


Descrição da imagem: flor em tons laranja e lilás, com formato que ao longe, 
usando a imaginação, se parece com um pássaro.


Me dá, que a dor é minha!
.

Desde que o conheci,
algo de um tom azul turquesa
adornado com purpurinas
instalara-se em meu coração.

Ele me trazia paz.
Brilhar, portanto,
era uma conseqüência natural.

Mas me assustava perder
o contato com as minhas dores,
algumas tão antigas
quanto minha própria existência.

Eram elas que me mantinham atenta
balizavam meus limites
e me proporcionavam
o desapontamento necessário
para seguir adiante
com a devida sensibilidade e decência.

Por isso, entrava em pânico
cada vez que,
desobediente as minhas vontades,
um sorriso luminoso
se instalava em meu rosto.

As pessoas já percebiam.
E, furtivas, comentavam.

Lutei bastante para me manter infeliz
– única chance de permanecer sã.
Olhava no espelho...
Uma mulher encantadora!
Luminosa, quase uma estrela.
E eu não sabia conviver com ela.
Sem saber como voltar a me reconhecer,
abri feridas já cicatrizadas,
criei outras novas, profundas e sangrentas,
providenciei tristezas,
encomendei decepções
busquei mais vícios,
colecionei contrariedades.

Era pouco,
o meu coração permanecia em festa.

Blasfemei o sol,
agarrei-me ao submundo.


A escuridão e a umidade de furna
por certo trariam de volta a angústia
e o desespero que me eram tão familiares.
e me enfeiavam, mas me deixavam aliviada.

Em minha garganta
Gargalhadas sonoras viviam prestes a escapar.

Passei a ignorar a proteção das calçadas
e a andar em meio fio,
olhando bem nos olhos dos condutores,
desafiadora, provocativa, agressiva,
à espera de uma atitude
que me devolvesse a dor e a sanidade.
Gritos silenciosos pelas esquinas.
Porém, algo ia errado.
Quando me distraía,
um certo balanço no andar
e o cantarolar de uma canção me denunciavam.

Abandonei as noções de respeito,
cuspi em feições amorosas,
gritava impropérios
maldizia benfeitores,
exaltava a fingida ralé
que nos fomenta a miséria.
Trazia a mostra meus aleijões.

Esforço inútil.
Meus olhos continuavam a brilhar,
sinal de esperança na vida e na humanidade.
Sem chances! Tarde demais!
Pela superação da dor
eu acreditava no amor e me sabia feliz.

Derrotada, machucada, mutilada
por iniciativa minha, mesmo,
mas ainda brilhante e azulada
voltei ao espelho.
Me faltavam opções.
Aceitei meus dons,
acolhi meu sorriso
abracei meus encantos,
rasguei meu peito
sem cuidados,
o que impediria mudar de idéia
e segui caminho, ensaiando sorrisos,
e com a estranha luz a mostra.

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