17 de setembro de 2006

O triste deselegante


Descrição da imagem: ao fundo o chão está coberto de cascalhos.  
As folhas são ásperas, duras e espinhosas, em tons avermelhados.  
A flor é rosada, num formato que lembra um abacaxi.  Parece flor de uma suculenta.

O triste deselegante


Ele vestia a depressão como uma roupa, mas num figurino e modelito que não lhe caíam muito bem.

Era lembrar dele e olhar ao longe, e, sabia: lá vinha, com sua camisa que de tão folgada desrespeitava a simetria dos ombros e chega a lhe cobrir as belas mãos, contrariando as regras da moda e o bom senso.

Suas calças, de bainhas curtas demais, deixavam a mostra meias cuja cor não combinavam nem com o clima, nem com o ambiente, e nem com mais nada que parecesse agradável ao deleite dos olhos, ainda que dos menos exigentes.

Sua tristeza era visível. Mas parecia se tratar de uma peça móvel, da qual poderia dispor quando bem quisesse: “um portador de deficiência amorosa”, que largava sua carga quando parecia se interessar por afazeres mais plenos.


Sempre chegada aos desafios, certo dia, acordei disposta a conhecer sua dádiva, tão bem fantasiada de palhaço.

Dirigi-me à sua casa. Anunciei minha chegada com um sorriso e fui dando um jeito de encravar-me em seu quarto.


Sem palavras, deixei cair o vestido, única peça que estrategicamente escolhi para aquele momento. Queria incentivá-lo a fazer o mesmo.

Sem muitas dificuldades, sua tristeza foi parar no cesto de roupas.

Tirada a vestimenta detestável e que lhe enfeava, era belo e transluzente, como eu sempre imaginei.

Abriu-se numa dança amorosa que eu não conhecia, mas na qual era fácil seguir-lhe os passos, e onde se era livre para inventar novos. E inventamos.

Mas ele era sujeito difícil e reservado. Preferia permanecer em breves visitas ao terreno da tranqüilidade, tamanho o medo de saber-se pleno e descobrir-se órfão da tristeza que sempre lhe foi companheira.

Terminado o ensaio de felicidade, vasculhou as gavetas e vestiu-se numa roupa limpa, engomada e, como sempre, fora de moda, mas escolhida com critério.

Escondeu meus cheiros e meus líquidos com muitos borrifos de desodorante spray e, também sem palavras, me conduziu com um beijo no rosto até a porta de saída, passando-lhe a chave.

Foto: Emanuel Galvão (Agosto/2006)

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